A
Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou a União
ao pagamento de R$ 30 mil de indenização por danos morais a dois
ex-militares do Exército que foram expulsos, perseguidos, presos e
torturados no período da ditadura militar. O colegiado afastou a
prescrição declarada nas instâncias ordinárias e reconheceu a existência
de danos morais indenizáveis.
O valor de R$ 30 mil, fixado em
favor de cada um dos recorrentes, será acrescido de correção monetária a
partir do arbitramento e de juros de mora contados da data em que os
fatos ocorreram.
Os ministros, em decisão unânime, reformaram o
acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2) que entendeu
que o pedido dos ex-militares, baseado no artigo 8° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), estaria prescrito.
O
caso analisado diz respeito a dois militares que tiveram trajetórias
parecidas: ambos foram expulsos do Exército em razão da militância
contra o regime militar, participaram de guerrilha, foram presos e
torturados no período ditatorial.
Fatos notórios
O TRF2
manteve o entendimento aplicado na sentença de que a demanda dos
direitos assegurados no artigo 8º do ADCT prescreve em cinco anos,
período contado a partir da vigência da Constituição Federal de 1988.
Para o tribunal, ainda que um dos autores da ação tenha sido submetido a
condições de prisão consideradas indignas – conforme depoimentos de
testemunhas –, não foi demonstrado que sua situação seria pior que a de
outros prisioneiros, não se caracterizando o dano moral.
A corte
regional observou ainda que o outro autor já recebeu indenização por
decisão administrativa da Comissão de Anistia e, por isso, afastou o
pagamento de nova indenização, para evitar bis in idem (dupla punição pelo mesmo fato – no caso, contra o Estado).
No
recurso apresentado ao STJ, os ex-militares afirmaram que o direito
apontado é imprescritível e que o sofrimento pelo qual passaram é fato
notório. Argumentaram que a indenização referente à Lei 10.559/2002
(Lei da Anistia Política, que regulamenta o artigo 8º do ADCT) é de
caráter simplesmente material, não afastando a possibilidade de
condenação por danos morais.
Direitos fundamentais
Para
o relator do recurso, ministro Sérgio Kukina, ficou evidente no caso a
ocorrência de situação que configura danos morais. Segundo ele, os
argumentos apresentados pela corte de origem, para afastar a condenação
da União, estão em confronto com a compreensão do STJ.
Em seu voto, Kukina lembrou que, no julgamento do agravo interno no REsp 1.648.124, sob relatoria do ministro Herman Benjamin, a Segunda Turma decidiu que "a prescrição quinquenal, disposta no artigo 1º
do Decreto 20.910/1932, é inaplicável aos danos decorrentes de violação
de direitos fundamentais, que são imprescritíveis, principalmente
quando ocorreram durante o regime militar, época na qual os
jurisdicionados não podiam deduzir a contento suas pretensões".
O relator destacou ainda a Súmula 624
do STJ, segundo a qual é possível cumular a indenização de dano moral
com a reparação econômica prevista na Lei da Anistia Política.
Quanto
à situação geradora de dano moral, que não foi reconhecida em segunda
instância, Sérgio Kukina disse que os fatos incontroversos podem ser
revalorados no STJ sem ofensa à Súmula 7 – que não admite a revisão de
provas em recurso especial.
"O incontroverso quadro fático
delineado pela corte de origem evidencia, de parte do Estado brasileiro
pós-1964, a existência de perseguição, tortura, prisão e imposição de
uma vida clandestina em desfavor dos autores recorrentes, ex-militares,
isso tudo por motivação política, em contexto indicador de violação da
dignidade da pessoa humana e, por isso, caracterizador da ocorrência de
dano moral", concluiu o relator.
Leia o acórdão.